sábado, 27 de fevereiro de 2010

Panelas, livros e cinema.

Após alguns anos de amizade internística, finalmente conheci pessoalmente, em carne e osso, Luara Almeida, auto-denominada Lua e que assim para mim sempre será.
Foi num ensolarado dia de verão de Forno Alegre, com faringite aguda, sem nem ao menos poder dividir uma ‘’breja’’ juntos (nem ao menos um suco bem gelado. Injusto demais!), que acabei com a minha curiosidade e conheci minha consultora de assuntos gerais.
Infelizmente, acabou sendo o único encontro “não-virtual” que nos foi permitido. Alguns dias depois eu me formava e logo depois viajava. Depois de tanta espera, seria injusto eu ficar reclamando e como dizem: “o que é bom dura o tempo necessário para que se torne inesquecível’’ (sim, estou meio piegas nessas últimos dias mesmo).

Enfim, em alguns dias conhecerei Luiza, a Lulu, quando irei pegar meu presente de formatura, e é dela que surge a idéia do meu primeiro post. Interpelado por uma indicação de algum prato vegetariano simples, rápido para a noite me surgiu na mente algo que havia comido alguns dias antes: Yakissoba, no caso vegetariano. Talvez não seja uma receita exatamente simples, considerando a variedade de ingredientes que inclui, mas é possível fazer com o que se tiver à disposição. Vamos à receita:

Yakissoba Vegetariano

Ingredientes:
400g de massa do tipo chinês/miojo
2 dentes de alho amassados, sem pedúnculo (que é o q de fato deixa mais mau hálito)e picados
1 pedaço de gengibre(conforme o gosto pessoal) descascado e ralado

3 ramos de brócolis em ramos menores
3 ramos de couve flor em ramos menores
4 cenouras médias descascadas e cortadas em tiras
2 pimentão vermelhos e 2 amarelos cortados em tiras
300 ml de molho de soja/shoyo
Óleo de canola qb
2 cebolas em tiras
4 folhas de couve chinesa rasgada
20g (1C=1 colher de sopa) de farinha de trigo
20g (
1C) de manteiga sem sal
cebolinha picada a gosto
*qb= quanto baste

Ferva uma panela com água para cozinhar o brócolis e a couve flor. Branqueie os dois, colocando rapidamente em água fervente e em seguida em água gelada. Isso vai deixá-los
al dente. Em outra panela com óleo refogue a cenoura e, em seguida, acrescente o alho e o gengibre. Quando a cenoura estiver al dente, acrescente a couve flor e os brócolis. Acrescente então os pimentões e a cebola, refogando-os até ficarem no mesmo ponto. Adicione shoyo.

Para engrossar o molho faça o chamado beurre manier *, uma mistura de quantidades iguais de manteiga e farinha, e misture ao molho quente. Por fim, coloque a couve chinesa e a cebolinha. Ferva uma panela com água e sal e cozinhe a massa. Escorra e misture ao refogado.

* Como base para molhos como o
bechamel é utilizado uma mistura de farinha e manteiga em proporções iguais(algo em torno de 50g/l) chamada roux( ), que após cozida, e tendo a si incorporado leite quente engrossa o mesmo. Dependendo do tempo de cocção o roux é nomeado diferentemente, variando de blanc(branco), passando pelo blond(louro) até o brun (marrom). Dependendo da utilização do roux se opta por um ou outro tipo(ex: roux branco = bechamel). O beurre manier, que consiste da mistura crua de farinha e manteiga é utilizado também como agente espessante de molhos, sendo no caso a mistura crua adicionada ao líquido quente, sendo desnecessário a pré-cocção da mesma.

Em busca do prato perfeito - Anthony Bourdain

Alhos e safiras - Ruth Reichl

Mordidas sonoras - Alex Kapranos

O tempero da vida, Tassos Boulmetis (2003)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Um dia cor de laranja.

Há muito tempo que eu amargo as minhas decepções da vida na cozinha. Porque eu sei o que fazer, gosto de fazer e meu jeito mais simples de externalizar sentimentos, confusões e fazer com que dentro as coisas tenham ordem.
E um dia desses, eu saí do (ex)trabalho muitíssimo cansada e, mais que isso, sem energias, triste e só. Para piorar, eu estava sem Amélie Poulain há mais de um ano (o engraçado é que algumas obras me fazem agir de modo muito diferente. Quando leio a História sem fim, a minha letra muda, mas isso é pano pra outra manga. E Amélie me faz fazer coisas bonitas e bobas, como colar post-its docezinhos no elevador) e sem ela, não tinha graça fazer amelices.
Precisada de Amélie que eu estava, só havia uma coisa a fazer. Crème brûlée. Não que fosse meu doce preferido ou coisa assim, a bem da verdade é que eu nunca tinha comido um desses, nem tinha a mais remota idéia de como se fazia. Mas a cena da casquinha sendo quebrada, um dos prazeres da srta. Poulain me dava certeza que aquele docinho seria capaz de salvar a minha noite.
Chamei os amigos, comprei os melhores ingredientes que me foram possíveis e os potinhos, fiz uma quiche, coloque Yann Tiersenn pra tocar... e deu errado, deu muito errado. E foi só na terceira tentativa que deu certo. E começou a angariar fãs, dos mais diversos. Fiquei feliz por ter conseguido acertar na receita, achei que seria uma das que me faz chorar e ter certeza de que comerei pão com ovo pelo resto da minha existência.
Mas eu achei que ainda faltava qualquer coisa. Respirei fundo, com medo de cometer uma pequena heresia, mas tentei e acertei lindamente. Creme burlesco [sic elvis] com amoras.
s u b l i m e
E chega de jogar confetes em cima de mim mesma. Vamos a receita.


- amoras amassadas e polvilhadas de açúcar
- 4 gemas
- quase uma xícara de açúcar
- 350 ml de leite
- 200 ml de creme de leite fresco
- 2 colheres de sopa de baunilha (o ideal é ferver a fava da baunilha com o leite, mas...)

Antes de começar, deixe as amoras amassadinhas e polvilhadas de açúcar, para que fiquem caudalosas.
Pois bem, essa é uma das receitas que eu faço que mais precisa de frescurinhas de cozinha. Panelinha de fundo falso, maçarico, fouet... Mas eu (ainda) não tenho todos. Só o fouet, que vale a pena comprar, e nem é tão caro. Caso você não tenha um, use um garfo, que dá na mesma, só dá um pouco mais de trabalho.
Coloque as gemas numa tigela funda, e bata com o fouet; o creme deve ficar esbranquiçado. Acrescente o leite (entre morno e quente), bata até formar uma espuma, deixe descansar para que, quando você passar uma colher, a espuma 'descole' do liquido.
Agora é a hora da panelinha de fundo falso, que você pode improvisar um banho-maria com uma caneca e uma panela. Misture sem parar e quando a espuma estiver reintegrada, acrescente o creme de leite, sem nunca parar de mexer - para que não ferva. O ponto é fácil de ser 'encontrado': passe o dedo de comprido pela colher, é preciso que se forme um 'caminho' e que não escorra.
Feito isso, coloque cerca de uma colher de sopa de amoras no fundo de cada um dos 5 ou 6 potinhos que possam ir ao forno, sobre elas despeje o creme delicadamente, para que as duas partes não se misturem. Hora do forno: coloque os potinhos numa forma com água, uma espécie de banho-maria no forno. Temperatura média-alta. De novo eu não sei o tempo, mas cerca de 40 minutos, até que o creme esteja consistente e levemente dourado. Retire do forno e deixe esfriar em temperatura ambiente.
Haja paciência: 6 horas de geladeira, mais ou menos. É claro que vez ou outra da pra fazer um truque, mas é importante que ele esteja bem gelado ao servir, quando morno fica bastante enjoativo.
E aqui, se você tem um maçarico, eu não sei como se faz a coisa. Se você não tem, escolha uma colher que a sua mãe não vai sentir muita falta, e que ela não tenha cabo de plástico. Coloque na chama do fogão até que ela fique incandescente. Polvilhe o açúcar (não muito antes, para que ele não umedeça), encoste a colher no açúcar e gire rapidamente o potinho. É possível que o açúcar pegue fogo, seja breve para que não queime demais, para não amargar.
Coloque o Yann Tiersenn pra rolar, sirva, e espere os elogios. Fatalmente virão!

Essa é a sobremesa mais risonha que eu já comi. Se o seu parceiro de mesa não der ao menos um sorriso, fuja dessa pessoa, aposto que ela não tem coração.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

"Le quiche du mai".

A bem da verdade é que foi mais fácil dizer que estava começando, sem começar de fato. Pensei muito sobre qual receita deveria vir primeiro, qual seria a melhor história a ser contada. Boa parte das minhas histórias interessantes tiveram pelo menos algum momento da trama na cozinha, seja um amigo novo que se faz entre o vinho e o molho, ou algum fim - trágico ou não - quando tudo que me resta é tentar um banquete. São tantas receitas, tantas histórias, mas é difícil puxar o fio. Não me lembro da primeira coisa comível que eu cozinhei, não me lembro da primeira grande refeição, não me parece que tenha um início só, mas muitos deles.

Por isso, resolvi puxar o gancho que o post inicial me deixou: a abobrinha. Não me lembro como a nossa relação começou, minha e da abobrinha, mas lembro que havia um tempo em que ela era o coringa da nossa geladeira: não importa qual fosse o clima do dia, sempre haveria um bom motivo para usá-las.

E o clima daquele dia era a Festa da Nadine, com letras maiúsculas mesmo. É um evento anual, na qual essa amiga queridíssima comemora o seu aniversário e, mais que isso, acaba por juntar gente que se gosta, mesmo, mas só se vê uma vez por ano, ali. São festas temáticas e cada um de nós, convidados, é encarregado de levar um prato (e algumas garrafas).

Naquele ano, eu estava perfeitamente sem dinheiro. Primeiro ano de faculdade, greves, movimento estudantil... eu não tinha muito tempo para essa rotina capitalista de empregos, estava ocupada demais com as minhas próprias revoluções - e elas não eram poucas. O tema era "Maio de 68", nada melhor que um prato francês. Mas como fazer um prato francês com pouco dinheiro em quantidades festivas? Não me lembro se recorri a um livro de receitas ou se eu tive um insight: quiche! Mas do quê? ... Abobrinha.

Decidido o prato, faltava saber como fazê-lo. Achei uma receita simples para a massa, e resolvi me dedicar ao recheio. Foi aí que eu telefonei para o 'chef-amigo', que mora em outro estado, pra saber como temperar a abobrinha. "Cardamomo e noz-moscada".

Vamos a ela.

Recheio:

- 3 ou 4 abobrinha cortadas em tiras

- 1 cebola

- alguns dentes de alho

- champignons fatiados

- noz-moscada moída

- cardamomo moído

- pignolis (que também pode ser substituído por castanha-do-pará picada)

- pimenta-do-reino

- parmesão ralado

A primeira coisa a se fazer é fritar - no azeite - a cebola, o alho, o champignon e os pignolis (o ideal é colocar cada um em um tempo, pois a cebola doura mais devagar que o alho; o champignon e os pignolis mais rápido que os dois primeiros). Depois, acrescente a noz-moscada; o cardamomo (a maneira mais fácil de 'moer' a noz-moscada é num ralador simples de cozinha e o cardamomo pode ser triturado com uma colher e um pouco de paciência) e a pimenta-do-reino. Desligue o fogo e acrescente aos poucos a abobrinha, sempre mexendo com cuidado, para que toda ela fique molhada com os temperos. Deixe tampado, enquanto faz a massa (se o descanso for de algumas horas, o resultado é ainda mais bacana).

Massa:

- manteiga (se você quiser uma receita vegan, pode usar margarina)

- farinha

- pouco sal

- um tantinho de água quente

Não tenho quantidades exatas. Cerca de 1 medida de manteiga para cada 2 de farinha, e o sal é só pra dar uma vaga ideia de salgado, não deve aparecer muito. Amasse com as mãos, e o ponto é quando a massa estiver 'lisa', descolando das mãos. A água deve ser bem pouca, apenas para garantir que a massa não fique muito farinhenta. Deve ser aberta numa refratária redonda, de modo a ficar fina e 'sobrar' para além da forma, que será dobrada para dentro, para o 'acabamento'. Para o recheio, alterne uma camada de abobrinha com uma de parmesão - garantindo que a última seja de queijo - dobre a massa que sobrou para dentro e leve ao forno pré-aquecido, temperatura média-alta (cerca de 220ºC). Uns 30 minutos depois, a massa estará dourada, solta do fundo (o que você conseguirá ver). Retire do forno e deixa esfriar por aproximadamente 15 minutos, para que no momento de servir ela não desmanche.

Pode ser servida com arroz branco e salada verde - ou de tomates.


O prato, que em teoria não é uma quiche, foi batizada de "Quiche du Mai" e fez o maior sucesso, tanto nessa como em outras aparições. É um dos meus pratos queridinhos, por ser rápido e simples. Na teoria da cozinha, para ser uma quiche ela deveria ter uma base cremosa, com ovos e etc. Chamem-na de 'torta de abobrinha', se quiserem, mas no meu coração ela sempre será o sucesso culinário do meu 68.

E obrigada a quem leu, e pediu receita, juro que serão atendidas. Voltem sempre.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Para começar: Cinema, livros e panelas.

Dizem que as férias são tempos de botar as pendências em dia. Escrever é sempre algo que prometo fazer mais, ou com maior frequência, e esse blog está maturando há algum tempo; talvez porque escrever e cozinhar sejam as coisas que eu faça melhor na vida, ou porque sejam coisas que dependem do outro, tanto a comensalidade quanto a leitura. Não há porque cozinhar, senão para comensais (sejam eles quem e quantos forem), nem escrever senão para leitores. E de que adiantaria um blog não não arrecadasse olhos, que não tivesse função?


A ideia de um espaço virtual assim não me é nova, e foi fomentada por dois filmes: A festa de Babette (1987) e Julie et Julia (2009), que cada um a seu modo tratam a paixão pela cozinha, pelo ato de cozinhar, de dar-se pelos sabores.

A verdade é que vim, e cá estou. Sou cozinheira mais de intuição que de talento, e o que mais gosto é servir os queridos. Aprendi bem cedo com a minha avó que mais importante do que a receita é o que você acha do que você está amassando, mexendo, conferindo. Não sei cozinhar por obrigação, rotina ou castigo, e queria dividir com quem não tem panelinha de fundo duplo ou maçarico, os macetes e segredinhos da boa cozinha, dos prazeres da mesa.


E pra terminar esse “post inaugural”, espero que o último que venha sem uma receita, queria dizer da onde saiu esse nome, e tudo que ele significa, pelo menos pra mim.

Juntando-se a eles o manjericão, cardamomo e noz-moscada são os meu temperos favoritos. E esses dois são ainda mais especiais, por caberem tão com doces e salgados. Na verdade a nossa aliança se fez quando, sem saber como temperar uma abobrinha, eu liguei pra um chef-amigo que disse: “Abobrinha? Não sei. Tenta cardamomo e noz-moscada, eles combinam com tudo.” Feito. Depois dessa frase, eles não faltariam na minha cozinha.

As sementes do cardamomo são aromáticas, intensas e inconfundíveis. Originário da Índia, veio do Nordeste, quase que por acaso, parar na minha cozinha, no meu café. Até então, eu achava que se encerravam as possibilidades: ele torna o sabor do café maravilhoso. Mas descobri que, depois de triturado, orna com cremes de frutas, molhos vermelhos, legumes... Caro, mas vale cada centavo.

Já a noz-moscada era uma velha conhecida, minha mãe sempre usou como tempero, e alguns amigos catalisavam viagens com ela. Conhecida desde a Idade Média, a noz tem personalidade, força e, não sou eu quem digo, poderes afrodisíacos.

E, se não tiver certeza da cozinha, deixe-se apaixonar. Alguns filmes e livros, pros olhos e pro coração.

A festa de Babette (1987)

Como água para chocolate (1992)

Chocolate (2000)

Julie e Julia (2009)

Como água para chocolate, de Laura Esquivel. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

Afrodite, de Isabel Allende. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2004.

O cinema vai à mesa, de Nilu Lebert e Rubens E. Filho. São Paulo: Melhoramentos, 2007.